Renascimento, Academias e Sínteses
Durante o Renascimento (Séc. XIV-XVI), em alguns círculos, passou a haver uma compreensão predominante, de que existia uma identidade quase essencial entre a Filosofia e a Religião e, nesse sentido, o “Verbo Encarnado” dos Evangelhos, seria a mesma razão (Logos) que governa o pensamento dos filósofos gregos, principalmente a filosofia de Heráclito (c.540-c.480 a.C.).[1] Surge daí, um neoplatonismo mal definido. “Encontra o pensamento moderno uma paternidade ideológica no neoplatonismo, único grande sistema monista da antiguidade”, interpreta Padovani (1894-1968).[2]
Há então, uma compreensão de que é possível estabelecer uma harmonia entre a Filosofia e a Teologia dos Pais da Igreja, especialmente Agostinho (354-430). Na realidade, não existe contradição entre eles.[3]
Essa síntese encontrou um ambiente propício nas Academias dos humanistas – onde o Humanismo se desenvolveu mais efetivamente[4] –, que, em muitos casos, se contrapunham às universidades, ainda ligadas às formas tradicionais da cultura, permeadas pelo sistema tomista.[5]
As principais Academias foram as de Florença,[6] Nápoles – que fundada no final do século XV, sobreviveu somente até 1543[7] – e Roma.[8] A Itália, de modo especial foi o berço das Academias, influenciando, posteriormente, toda a Europa e as colônias americanas.[9] As pesquisas científicas não tiveram grande espaço nas universidades; antes, “A ciência moderna nasceu fora das universidades”, comenta Rossi (1923-2012).[10]
A Academia Platônica de Florença, fundada em 1440 por Cosme de Médice, o velho (1389-1464) – mecenas, extremamente preocupado com a educação –, tornou-se o local de encontro e peregrinações dos humanistas da Europa.[11]
Lembremo-nos de que na Idade Média os educadores eram padres, monges e frades.[12] Na Renascença, gradativamente, vai se formando uma “República Culta”. Com a aproximação de pessoas instruídas, sem vinculação nacional, social ou religiosa; pouco a pouco, o ensino vai se laicizando.
Com essa mudança de perspectiva educacional, a figura do professor sobe na escala social, sendo altamente venerado.[13] Os mestres mais conceituados passaram a ter altas honrarias e prestígio,[14] sendo inclusive, disputados pelas Escolas e Universidades.
Sobre isto, escreve Burckhardt (1818-1897):
Os salários dos catedráticos eram extremamente variados; às vezes, recebiam até mesmo algum capital de presente. O avanço da educação trouxe consigo a competição, de modo que as diferentes instituições lançaram-se ao intento, de parte a parte, de atrair para si renomados professores de suas rivais. Sob tais circunstâncias, diz-se que Bolonha teria, em certas épocas, aplicado metade de suas receitas (20 mil ducados) na universidade. As nomeações dos catedráticos eram, em geral, por tempo limitado, até mesmo por um único semestre, de modo que os docentes levavam uma vida errante, como se fossem atores. Contudo havia também nomeações vitalícias. Por vezes, prometiam não ensinar em qualquer outro local o que haviam ensinado em uma universidade. Além disso, havia também professores voluntários, não remunerados.[15]
Marcílio Ficino (1433-1499), a “alma da Academia florentina”,[16] admirador confesso de Agostinho (354-430)[17] – que se autodesignou filho espiritual de Cosme de Médice[18] –, desejando encontrar uma síntese no platonismo (ou neoplatonismo) que favorecesse o Cristianismo,[19] ensinava a associação do Cristianismo com o platonismo, dizendo que “Deus criara o universo como um todo harmonioso, tão quanto possível parecido ao seu autor. É somente em Deus que pode o homem encontrar a felicidade perfeita. O homem pode atingir a Deus penetrando o mundo das ideias emprestadas de Platão onde se situa o pensamento divino, pelo amor da beleza, espelho da beleza universal de Deus. O homem pode, enfim, assemelhar-se a Deus, pois se Deus o desejar, o homem, por sua vez, pode criar. Deus expressa-se inspirando engenheiros, artistas e poetas”.[20]
Daniel-Rops (1901-1965) observa que muitos humanistas desejosos dessa síntese, não percebiam os aspectos irreconciliáveis entre pontos tão divergentes. Ilustra: “Contraditórios como toda a sua época, achavam normal ir à missa e ter em casa – como Marsílio Ficino – uma lâmpada acesa diante do busto de Platão”.[21]
O Concílio de Trento e o primeiro Seminário
Retornando à nossa linha inicial, vemos que ao longo dos muitos anos, a igreja romana ressentia-se da falta de Seminários. Isso tornou-se evidente no Concílio de Trento (1545-1563).[22]
O Concílio não foi insensível à essa necessidade. Assim, em Trento[23] foi publicado o decreto (Cum adolescentium aetas) (Sessão, 23, Capítulo 18, de 15/07/1563),[24] determinando aos bispos estabelecer seminários diocesanos.
Pio IV (1499-1565) então, em 01/02/1565 inaugurou o Pontificio Seminario Romano Maggiore com 60 alunos, sendo Giovanni Battista Peruschi (1525-1598) seu primeiro Reitor,[25]
A direção desta Instituição foi entregue aos jesuítas,[26] ainda que os sacerdotes ali formados fossem destinados a servirem como sacerdotes diocesanos em Roma.
Descrevendo em detalhes os métodos jesuíticos,[27] enfatiza Pressensé (1824-1891) que, em nome da Glória de Deus, desejavam, na realidade, restaurar a autoridade suprema do papa.[28]
Testemunhos semelhantes encontramos em Ribeiro (1919-2003): “A Companhia de Jesus (…) foi a tropa de elite do catolicismo tridentino, tanto para a doutrinação teológica como para a sustentação da supremacia papal sobre a Igreja”[29] Do mesmo modo, Barbosa (1849-1923): “Onde quer que o jesuitismo tem lançado raízes, ninguém pôde achar diferença entre os seus frutos e os do solo onde o papado reina mais direta, mais absoluta, mais visivelmente”.[30]
Seminário em Portugal
Portugal, sempre atento às decisões conciliares, criou o seu primeiro Seminário em 1566 em Lisboa, tendo como reitor um jesuíta. Bartolomeu dos Mártires (1514-1590), voltando do Concílio de Trento, fundou o Seminário Conciliar de São Pedro em Braga em 1572, ficando sob à direção do Frei João de Leiria.[31]
Seminário no Brasil[32]
No Brasil, a informação sobre o primeiro seminário romano pareceu-me nebulosa. Como isso não é fundamental ao texto, deixo-a em aberto: Rio de Janeiro (05/09/1739);[33] no final do século XVII, em Belém da Cachoeira, criado pelo padre Bartolomeu de Gusmão.[34] Somente em meados do século XVIII.[35] Ou Belém do Pará (1745).[36]
Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
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[1] Para Heráclito de Éfeso (c.540-c.480 a.C.), o Logos, a inteligência divina, é comum a todos os homens, mesmo que alguns vivam como se cada um tivesse um entendimento particular. O Logos governa o universo. (Vejam-se: Heráclito, Fragmentos, 1,16,32,64,67 e 72. In: Gerd A. Bornheim, org. Os Filósofos Pré-Socráticos, 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1977, p. 36ss). Para um estudo abrangente do pensamento de Heráclito, além da leitura obrigatória de seus fragmentos, consulte, Damião Berge, O Logos Heraclítico: Introdução ao Estudo dos Fragmentos, Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1969, 452p. Vejam-se também: G. Fries, Palavra: In: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 1981-1983, v. 3, p. 392-393.
[2]Umberto Padovani, Filosofia da Religião, São Paulo: Melhoramentos; EDUSP, 1968, p. 89.
[3]Sobre as posições contrárias entre os Pais da Igreja e a superação de Agostinho, veja-se meu livro: O Pensamento Grego e a Igreja Cristã: Encontros e desencontros, Goiânia, GO.: Cruz, 2022, p. 100-117.
[4] Cf. Ruy A. da Costa Nunes, História da Educação no Renascimento, São Paulo: EPU.; EDUSP., 1980, p. 20.
[5] Nos séculos XIII e XIV encontramos o clímax do debate pró e contra o aristotelismo, tendo vencido a batalha S. Tomás de Aquino (1225-1274) – aquele que é considerado o “apogeu do pensamento escolástico” –, com a sua síntese do pensamento de Aristóteles (384-322 a.C.). O tomismo, tornou-se a interpretação padrão – ainda que não a única –, do pensamento de Aristóteles para a igreja romana. Essa concepção passou a vigorar em geral nas Universidades católicas. A sua influência deveu-se aos dominicanos e, a consolidação do seu pensamento foi alcançada no século XVI por intermédio dos jesuítas e do Concílio de Trento (1545-1563), que formulou diversos de seus pronunciamentos amparados na interpretação de S. Tomás. (Vejam-se: W. Corduan, Tomismo: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 3, p. 543-545).
Tanta é a devoção para com Aristóteles que, em uma obra medieval, Vida de Aristóteles, ele é considerado como um precursor de Cristo. (Cf. T.M. Lindsay, La Reforma en su Contexto Histórico, Barcelona: CLIE., (1985), p. 70-71).
No início do século XVI, Lutero (1483-1546) escrevendo uma carta a seu amigo Johannes Lang (1487-1548) , refere-se a Aristóteles como “esse palhaço que, com sua máscara grega, tanto enganou a Igreja” (Carta de 08/02/1517, citada por Joachim Fischer na introdução do livro: Martinho Lutero: Obras Selecionadas, São Leopoldo; Porto Alegre, RS.: Sinodal; Concórdia, 1987, v. 1, p. 13). Dois meses depois, em outra carta a Lang, diz: “Nossa teologia e Agostinho progridem bem, com a ajuda de Deus, e predominam em nossa universidade. Aristóteles decai pouco a pouco e está sendo arruinado” (Carta de 18/05/1517, Apud Martinho Lutero: Obras Selecionadas, p. 13-14).
No período de 21/08/1517 a 04/09/1517, Lutero, combatendo o conceito vigente de que “sem Aristóteles, ninguém se torna teólogo”, escreveu: “Muito pelo contrário, ninguém se torna teólogo a não ser sem Aristóteles” (Martinho Lutero, Debate sobre a Teologia Escolástica: In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas, v. 1, tese 44, p. 17). No ano seguinte, Lutero exarou: “Quem quiser filosofar sem perigo em Aristóteles precisa antes tornar-se bem tolo em Cristo” (Martinho Lutero, O Debate de Heidelberg (1518), In: Martinho Lutero: Obras Selecionadas, v. 1, tese 29, p. 39). “Se Aristóteles tivesse conhecido o poder absoluto de Deus, ter-lhe-ia sido impossível afirmar que a matéria permanece por si mesma” (Martinho Lutero: Obras Selecionadas, tese 34, p. 39-40). No combate de Lutero aos ensinos de Aristóteles, vemos como este era predominante nas Universidades mesmo no século XVI.
Podemos tomar o testemunho de Descartes, mesmo tardio, como um bom exemplo da perpetuação da formação tomista, ainda que em declínio, mas atuante no século XVII. René Descartes (1596-1650), que é considerado o “Pai da Filosofia Moderna” e da “Geometria Analítica”, à semelhança de Francis Bacon (1561-1626), insistiu na inutilidade da Lógica aprendida nas escolas. Descartes estudou no recém-inaugurado (porém com propósitos ambiciosos), Real Colégio da Companhia de Jesus La Flèche, (1604). Tendo uma formação tradicional no escolasticismo aristotélico, estudando Gramática, História, Poesia e Retórica (1606-1612). No entanto, terminou o seu curso, revelando a sua frustração. Em 1637, no seu Discurso do Método, escreveu:
“Fui nutrido nas letras desde a infância (10 anos), e por me haver persuadido de que, por meio delas, se podia adquirir um conhecimento claro e seguro de tudo o que é útil à vida, sentia extraordinário desejo de aprendê-las. Mas logo que terminei todo esse curso de estudos, ao cabo do qual se costuma ser recebido na classe dos doutos, mudei inteiramente de opinião. Pois me achava enleado em tantas dúvidas e erros, que me parecia não haver obtido outro proveito, procurando instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez mais a minha ignorância. E, no entanto, estivera numa das mais célebres escolas da Europa (La Flèche), onde pensava que deviam existir homens sapientes, se é que existiam em algum lugar da Terra” (R. Descartes, Discurso do Método, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 15), 1973, I, p. 38).
Ele deixou o Colégio em 1612, convencido de que o método e a física aristotélicos, eram responsáveis pela falta de progresso das ciências.
Transferiu-se, então para Paris, dedicando-se, conforme o costume da época, à carreira militar, alistando-se no exército do príncipe Protestante Maurício de Nassau (1618), na Holanda, aliada da França contra os espanhóis e, em 1619, ingressou no exército comandado pelo católico Maximiliano, Duque de Baviera, contra o rei da Boêmia. Contudo, como observou Brown (1932-2019), “sempre tomando o cuidado de transferir-se para outro lugar quando surgiam dificuldades” (Colin Brown, Filosofia e Fé Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 38). De fato. Se a sua mente era privilegiado, o seu corpo era débil.
De 1619 a 1628, Descartes viajou por vários países da Europa para ler e estudar “no grande livro do mundo”, conforme sua própria descrição:
“Eis por que, tão logo a idade me permitiu sair da sujeição de meus preceptores, deixei inteiramente o estudo das letras. E, resolvendo-me a não mais procurar outra ciência, além daquela que se poderia achar em mim próprio, ou então no grande livro do mundo, empreguei o resto de minha mocidade em viajar, em ver cortes e exércitos, em frequentar gente de diversos humores e condições, em recolher diversas experiências, em provar-me a mim mesmo nos reencontros que a fortuna me propunha e, por toda parte, em fazer tal reflexão sobre as coisas que se me apresentavam, que eu pudesse tirar delas algum proveito (…). Mas, depois que empreguei alguns anos em estudar assim no livro do mundo, e em procurar adquirir alguma experiência, tomei um dia a resolução de estudar também a mim próprio e de empregar todas as forças de meu espírito na escolha dos caminhos que devia seguir. O que me deu muito mais resultado, parece-me, do que se jamais tivesse me afastado de meu país e de meus livros” (René Descartes, Discurso do Método, São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 15), 1973, I, p. 41).
Ainda no final do século XVII e início do XVIII, vemos a indisposição para com Aristóteles em determinados círculos. No verbete “Filosofia” da famosa Enciclopédia Francesa, lemos:
“Nada parou tanto o progresso das coisas nem limitou tanto os espíritos como essa excessiva admiração pelos Antigos. (…) Aristóteles nunca criou um verdadeiro filósofo, antes abafou bastantes que o poderiam ter sido se lhes tivesse sido permitido. E o mal está em que, uma vez estabelecida entre os homens uma fantasia desta espécie, o fica por muito tempo; durante séculos e séculos a ela se recorre, mesmo depois de se lhe ter conhecido o ridículo. Se um dia se entusiasmarem com Descartes, e o puserem no lugar de Aristóteles, praticamente dar-se-á o mesmo inconveniente” (Filosofia: In: Enciclopédia Francesa, (A Enciclopédia: Textos Escolhidos), Lisboa: Editorial Estampa, 1974, p. 78).
[6]Comentando a respeito da Academia Platônica de Florença, Hirschberger (1900-1990) diz: “O que nela se pretendia era uma síntese da Filosofia grega e do Cristianismo. Mas uma síntese na qual uma concepção otimista e ébria da beleza diria ‘sim’ ao mundo, e de modo mais desenvolto do que podia ousá-lo o Cristianismo, mais previdente, com a sua ciência da natureza humana enfraquecida pelas paixões e necessitada da graça. Já havia uma síntese no platonismo dos Padres: era o platonismo penetrado de Cristianismo. Na síntese da Renascença há penetração do paganismo. Nem sempre deliberada e consciente, mas este se fazia presente, e os adversários dos homens de Florença sempre lho lançavam em rosto” (Johannes Hirschberger, História da Filosofia Moderna, 2. ed. cor. e aum. São Paulo: Herder, 1967, p. 27-28). Devemos recordar, que o debate sobre a proeminência da Filosofia de Aristóteles ou a de Platão, permanecia nos círculos humanistas… Muitos humanistas adotaram o aristotelismo, especialmente em Pádua (Vejam-se: Alister E. McGrath, The Intellectual Origins of The European Reformation, Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1995 (reprinted), p. 34).
[7] Jean Delumeau, A Civilização do Renascimento, Lisboa: Editorial Estampa, 1984, v. 2, p. 74.
[8] Ruy A. da Costa Nunes, História da Educação no Renascimento, p. 20-21.
[9] Veja-se: Ruy A. da Costa Nunes, História da Educação no Renascimento, p. 21.
[10]Paolo Rossi, O Nascimento da Ciência Moderna na Europa, Bauru, SP.: EDUSC, 2001, p. 10.
[11] Sobre a Academia de Florença, Vejam-se: Paul Oskar Kristeller, Renaissance Thought and The Arts: Collected Essays, Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1990, p. 89-101.
[12]Pirenne (1862-1935), analisando a Idade Média, diz: “Nesse mundo rigorosamente hierárquico, o primeiro lugar, e o mais importante, pertence à Igreja. Esta possui, ao mesmo tempo, ascendência econômica e ascendência moral. Seus inumeráveis domínios são tão superiores aos da nobreza por sua extensão, como, ela mesma, é superior à nobreza por sua instrução. Além disso, só ela pode dispor, graças às oferendas dos fiéis e às esmolas dos peregrinos, de uma fortuna monetária que lhe permite, em tempo de penúria, emprestar seu dinheiro aos leigos necessitados. Enfim, em sua sociedade que tornou a cair em geral ignorância, só ela possui ainda estes dois instrumentos indispensáveis a toda cultura: a leitura e a escrita. Deste modo, reis e príncipes são forçados a recrutar, no clero, seus chanceleres, secretários e ‘notários’, em suma, todo o pessoal douto de que lhes é impossível prescindir” (H. Pirenne, História Econômica e Social da Idade Média, 6. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 18). (Ver: Peter Burke, Uma História Social do Conhecimento: De Gutenberg a Diderot, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 29-30, 109ss.).
Na realidade, há muito que a Igreja controlava o saber. Marrou (1904-1977) observa que nos séculos VI-VII, “… Por força das circunstâncias, a partir do momento em que as escolas profanas, herdadas da Antiguidade, acabaram de desaparecer, essas escolas religiosas tornam-se o único instrumento através do qual se adquire e transmite a cultura. Todos os seus beneficiários são, em princípio, pessoas da Igreja: mas não é um traço característico de nossa idade média latina que a ciência seja, antes de tudo, mister do clericato?”. Todavia, o autor acrescenta: “Entretanto, já desde o século VI sua clientela começa a ampliar-se” (Henri-Irénée Marrou, História da Educação na Antiguidade, São Paulo: E.P.U., 5. reimpressão, 1990, p. 512).
[13]Verger diz que “em Bolonha, a cidade inteira enlutava-se quando dos funerais dos professores. E ainda hoje, nas igrejas dos mendicantes e mesmo ao ar livre, os túmulos dos doutores bolonheses e paduanos são para nós a última manifestação de sua glória” (J. Verger, As Universidades na Idade Média, p. 146).
[14] Os mestres de Bolonha são denominados de “homens nobres e principais cidadãos”. Os estudantes tratam os seus mestres favoritos por “dominus meus” (“meu senhor”). (Vejam-se: Jacques Le Goff, Os Intelectuais na Idade Média, 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 99).
[15] J. Burckhardt, A Cultura do Renascimento na Itália: Um Ensaio, São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p. 160. Ver: Jacques Le Goff, Por Amor às Cidades, p. 64. Concomitante a isso, as Universidades ficam cada vez mais distantes do estudante de poucos recursos financeiros – os quais “haviam sido o fermento das faculdades” – e, muitos dos professores passam cada vez mais a olhar com atenção os seus ganhos… (Vejam-se: Jacques Le Goff, Os Intelectuais na Idade Média, p. 95ss., J. Verger, As Universidades na Idade Média, p. 142ss.). Contudo isto não pode ser generalizado visto que muitos professores continuavam ganhando pouquíssimo, tendo que completar a sua renda como professor particular, copista ou em alguma de suas especialidades. (Vejam-se: J. Verger, As Universidades na Idade Média, p. 140ss. e Peter Burke, Uma História Social do Conhecimento: De Gutenberg a Diderot, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 28).
[16]André Corvisier, História Moderna, 2. ed. São Paulo; Rio de Janeiro: DIFEL, 1980, p. 54. Ficino foi quem traduziu pela primeira vez Platão e Plotino, colocando-os em latim e parte da tradução em italiano. (Cf. Ernst Bloch, Entremundos en la Historia de la Filosofía, Madrid: Taurus Ediciones, 1984, p. 154). Ele também foi responsável pelo reavivamento do interesse pelos escritos de Platão. Na Academia de Ficino, fixou-se um dia da semana em que era proibido usar outra língua que não fosse a de Platão. (Cf. Daniel-Rops, A Igreja da Renascença e da Reforma: I. A reforma protestante, São Paulo: Quadrante, 1996, p. 193).
[17] Cf. Paul Kristeller, Tradição Clássica e Pensamento do Renascimento, p. 89.
[18] Cf. J. Burckhardt, A Cultura do Renascimento na Itália: Um Ensaio, p. 166.
[19] Cf. Émile Bréhier, História da Filosofia, São Paulo: Mestre Jou, 1977/1978, I/1, p. 208; Johannes, Hirschberger, História da Filosofia Moderna, p. 29-30.
[20] A. Corvisier, História Moderna, 2. ed. São Paulo; Rio de Janeiro: DIFEL, 1980, p. 54.
[21] Daniel-Rops, A Igreja da Renascença e da Reforma: I. A reforma protestante, p. 198. Talvez esta história da lâmpada seja uma “lenda mal-intencionada” (Veja-se: André Chastel, Arte e Humanismo em Florença na época de Lourenço, o Magnífico: estudos sobre o renascimento e o humanismo platônico, São Paulo: Cosac Naify, 2012, p. 129).
[22]“Por ocasião do Concílio de Trento, notava-se que era essa uma das causas dos males que afligiam a Igreja e que reclamavam pronto remédio” (Seminário: In: António da Costa Leão, et. al. (dir.), Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, v. 28, p. 234b).
[23]Os jesuítas foram a força motriz do Concílio de Trento, sendo de fato os teólogos do Papa. Como os bispos geralmente não dispunham de grande conhecimento teológico (Procediam da nobreza com cargos comprados ou impostos [Cf. Alister McGrath, Origens Intelectuais da Reforma, São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 23-24]), mesmo titulados em Direito Canônico, eles se valiam de teólogos – em geral pertencentes às ordens religiosas –, que os assessoravam, sendo alguns teólogos enviados diretamente pelo Papa. É nessa condição, de modo especial, que destacam-se os jesuítas, entre eles, Diego Lainez (1512-1565), Afonso Salmerón (1515-1585) – estes dois sugeridos por Loyola (Cf. Jean Lacouture, Os Jesuítas: 1. Os Conquistadores, Porto Alegre, RS.: L&PM, 1994, p. 232) –, Claude Le Jay (1504-1552), Pedro Canísio (1521-1597) e Otto von Truchsess (1514-1573), que passaram, alguns deles, a desempenhar no Concílio um “papel teológico de primeira linha” (Marc Venard, O Concílio Lateranense V e o Tridentino. In: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, São Paulo: Paulus, 1995, p. 332).
Esse Concílio teve vários percalços, a começar das suas convocações, visto que antes de ser realizado, ele foi convocado em 04/6/1536 para Mântua em 07/05/1537; Vicência 01/05/1538; e, em 21/05/1539 ficou adiado indefinidamente. Neste período de incertezas, houve tentativas de diálogo entre católicos e protestantes: No colóquio de Ratisbona (1541), onde participaram pelo lado protestante, Bucer e Melanchton e, pelo lado católico, Contarini e Gropper, mesmo conseguindo um consenso quanto à justificação, os “representantes” de cada lado não avançaram quando se depararam com a questão da Ceia. Além disso, essas atitudes conciliatórias não desfrutavam de apoio total das igrejas: Lutero e Roma desaprovariam em breve esse Colóquio. “Em Roma, aliás, vivia-se na expectativa do concílio, que devia ser um concílio de condenação e de refutação das teses protestantes.” (Marc Venard, O Concílio Lateranense V e o Tridentino. In: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, São Paulo: Paulus, 1995, p. 331).
Em 1542, uma bula papal convoca o Concílio para Trento, cidade vertente dos Alpes italianos. Compareceram alguns poucos bispos que, depois de sete meses de espera, dispersaram-se.
Finalmente, Paulo III (1468-1549), sendo pressionado por Carlos V (1500-1558), redigiu uma nova bula (19/11/1544) convocando o concílio para o dia 15/03/1545, em Trento. Dia 13 começaram a chegar os prelados, contudo, o Concílio só teve o seu início em 13/12/1545, com a presença de 4 cardeais, 4 arcebispos, 21 bispos e cinco gerais de ordens, número este que foi aumentado para 60 e 70 posteriormente. Contudo, a média de presença nas reuniões era abaixo de 50; só no final o número de votantes elevou-se a 250, conforme Eduardo Carlos Pereira, não ultrapassando o número de 213 prelados presentes; em suma: “pouco mais de duzentos padres”, isso, em seu período áureo: 1563. Venard, diz que no cômputo geral, “participaram do concílio, sob Pio V (1562-1563), sem estarem presentes ao mesmo tempo, 9 cardeais, 39 patriarcas e arcebispos, 236 bispos e 17 abades ou gerais de ordens. Esses números devem ser postos em relação com o episcopado católico da época, que devia girar em torno de 700 membros.” (Marc Venard, O Concílio Lateranense V e o Tridentino. In: Giuseppe Alberigo, org. História dos Concílios Ecumênicos, São Paulo: Paulus, 1995, p. 331). E, além disso, aqueles que participaram de Trento, não eram de fato os mais representativos do catolicismo.
Ao longo de seus 18 anos de funcionamento, o Concílio reuniu-se por 50 meses, realizou 25 sessões, sendo algumas delas meramente formais.
O Concílio de Trento pode ser dividido historicamente em três fases:
1) Sessões 1-10 (13/12/1545 a 02/06/1547, no pontificado de Paulo III (1534-1549).
2) Sessões 11-16 (01/05/1551 a 28/04/1552), no pontificado de Júlio III (1550-1555).
3) Sessões 17-25 (17-18/01/1562 a 04/12/1563), no pontificado de Pio IV (1559-1565).
O Concílio deliberou em nível de decretos de definições doutrinárias e de ordem disciplinar. Os primeiros consistiram na rejeição dos postulados protestantes, considerando o fato de que este Concílio estava grandemente preocupado com a situação de expansão do protestantismo. Os sete sacramentos são confirmados à maneira medieval. A Escritura e a tradição são igualmente fontes de verdade. A Vulgata foi elevada à condição de igualdade com os Originais Hebraicos e Gregos.
Os jesuítas, além de fomentadores do Concílio de Trento saíram por toda parte levando tais resoluções, enfatizando sempre a supremacia papal, assunto que até então era muito disputado (se o papa ou o concílio tinha a palavra final). Sobre o serviço dos jesuítas, temos duas palavras: de um regalista e de um tridentino. (Vejam-se: Rui Barbosa, Versão e Introdução de O Papa e o Concílio, (Versão e Introdução de Rui Barbosa da obra de Janus), 3. ed. Rio de Janeiro: Elos, [s.d.], v. 1, p. 43). Hughes comenta que “Sem a participação da Companhia de Jesus, a Contrarreforma não teria passado talvez de uma solenidade de resoluções religiosas” (Philip Hughes, História da Igreja Católica, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1954, p. 212).
Hoje, podemos perceber como era justa a preocupação de Thomas Cranmer (1489-1556), Arcebispo de Canterbury, com a realização deste Concílio. Em 20 de março de 1552, escreveu a Calvino – bem como a Melanchthon (1479-1560) e a Bullinger (1504-1575) –, convidando-o para uma reunião no Palácio de Lambeth com o objetivo de preparar um credo que fosse consensual para as Igrejas Reformadas. Cranmer, na carta a Calvino diz: “Como nada mais tende a separar as Igrejas de Deus que as heresias e diferenças sobre as doutrinas de religião, assim nada mais eficazmente os une, e fortalece a obra de Cristo mais poderosamente, que a doutrina incorrupta do evangelho, e união em opiniões reconhecidas. Eu tenho frequentemente desejado, e agora desejo que esses homens instruídos e piedosos que superam outros em erudição e julgamento, constituíssem uma assembleia em um lugar conveniente, onde se realizasse uma consulta mútua, e comparando as suas opiniões, eles poderiam discutir todas as principais doutrinas da igreja…. Nossos adversários estão agora organizando o seu concílio em Trento, no qual eles podem estabelecer os seus erros. E devemos nós negligenciar convocar um sínodo piedoso que nos possibilite refutar os erros deles, e purificar e propagar a verdadeira doutrina?” (Thomas Cranmer to Calvin, “Letter,” John Calvin Collection, (CD-ROM), (Albany, OR: Ages Software, 1998), 16).
Calvino então responde (abril de 1552), encorajando Cranmer a perseverar no seu objetivo. A certa altura diz: “…Estando os membros da Igreja divididos, o corpo sangra. Isso me preocupa tanto que, se pudesse fazer algo, eu não me recusaria a cruzar até dez mares, se necessário fosse, por essa causa.” (Letters of John Calvin, Selected from the Bonnet Edition, Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1980, p. 132-133).
[24]Vejam-se as decisões conciliares em: http://agnusdei.50webs.com/trento28.htm (Consultado em 11.12.2023).
[25] Cf. https://www.newadvent.org/cathen/13131a.htm (Consulado em 11.12.2023); https://it.cathopedia.org/wiki/Pontificio_Seminario_Romano_Maggiore (Consultado em 14.12.2023).
[26] Seminário: In: António da Costa Leão, et. al. (dir.), Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, v. 28, p. 234b.
[27]O profícuo e influente historiador português Oliveira Martins (1845-1894), escreveu: “Reagindo contra a explosão violenta do heroísmo dos homens das Renascença, o jesuitismo pregava a doutrina da submissão e proclamava a obediência sistemática (…) Mas esta abdicação formal da vontade, assim pregada, não era simplesmente uma regra de consciência religiosa; pois o jesuitismo soubera conciliar a transcendência com a realidade, e dar ao misticismo um caráter prático. Era uma ordem da moral positiva, e o primeiro princípio da educação: o sacrifício da vontade é uma abdicação real, nas mãos dos confessores e ministros de Deus, padres da Companhia.”(J.P. Oliveira Martins, Historia de Portugal, 6. ed. Lisboa: Parceria Antonio Maria Pereira Livraria Editora, 1901, Tomo 2, p. 86). “Ninguém soube ler as intimidades psicológicas do gênero humano como Santo Inácio e os seus companheiros.” (Ibidem).
[28] Veja-se: Edmond de Pressensé, La Liberté Réligieuse en Europe depuis 1870, Miami: HardPress © 1874, 2017, Kindle. Posição 362 de 4761.
[29]Boanerges Ribeiro, Protestantismo no Brasil Monárquico, 1822-1888, São Paulo: Pioneira, 1973, p. 51. “Graças aos jesuítas, o século XVI foi o grande século das missões católicas. (…) Por volta de 1700 os jesuítas alegavam ter 300.000 seguidores na China” (Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos: Uma História da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 282).
[30]Rui Barbosa, Versão e Introdução de O Papa e o Concílio, v.1, p. 44.
[31] Para maiores detalhes sobre os Seminários de Portugal, ver: Seminário: In: António da Costa Leão, et. al. (dir.), Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, v. 28 p. 234-236.
[32] Para uma síntese histórica, veja-se: https://revistas.ucpel.edu.br/rrf/article/view/2537/1479
[33] https://seminariosaojose.org.br/historia/ ; https://www.a12.com/redacaoa12/igreja/seminario-sao-jose-o-primeiro-do-brasil-celebra-275-anos
[34] Cf. Eduardo Hoornaert, et. al. História da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir do povo, São Paulo: Petrópolis, RJ.: Paulinas; Vozes, 1983, (História Geral da Igreja na América Latina, II/1), p. 195.
[35] Cf. Eduardo Hoornaert, et. al. História da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir do povo, II/1, p. 197ss.
[36]Breve Monografia sobre o Seminário Arquiepiscopal de N. Senhora da Conceição de Belém por ocasião da sua reabertura a 15 de março de 1933, Belém [s.d.], p. 11ss.