O Seminário e a formação de Pastores – Parte 20

7.3.2. Um contratempo desgastante, porém, extremamente necessário

O século XVI, ao mesmo tempo em que foi de grande progresso econômico nos Países Baixos,  foi de turbulência política e teológica. Os holandeses se constituem em modelo para nós na sua luta teológica e coragem para obter a sua independência da Espanha.[1]

Movimentos desejosos por uma reforma religiosa com forte teor agostiniano se manifestavam desde o século XIV. No século 16, pelo menos a partir de 1520 já nos deparamos com as primeiras influências luteranas e anabatistas,[2] ainda que sob sanção de Carlos V (1500-1558),[3] que introduziu a Inquisição na Holanda (1522-1523) ao que parece, por um curto espaço de tempo.[4]

Hinne Rode (c. 1475- c.1537), humanista holandês, Reitor (1515) do  Convento Hieronymus (Utrecht), fundado pelos Irmãos da Vida Comum (03.12.1474)[5] que nutria simpatia pelo luteranismo, foi demitido. Viajou então, por diversos países tendo contato com alguns reformadores, se aproximando das ideias de  Zuínglio (1523).

Em 15/09/1525 um antigo aluno de Rode, Jan de Bakker (c. 1499-1525), tornar-se-ia o primeiro mártir protestante no norte da Holanda condenado pela Inquisição sendo enforcado e queimado. Suas últimas palavras foram as de 1Co 15.55: Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?”.[6] Durante o seu martírio, outros cristãos presos cantaram hinos ao Senhor.[7]

Carlos V preparou muito bem seu filho para substituí-lo, equipando-o com senso de responsabilidade, capacidade de decisão e o qualificou com ótimo nível cultural. Portanto,  quando Filipe II  de Espanha (1527-1598) assumiu o governo da Holanda (1555), já possuía ampla maturidade inclusive administrativa.[8] Como fervoroso católico,[9] ao que parece, introduziu na Holanda a força militar por meio de tropas estrangeiras e a Inquisição de forma mais severa.

A tolerância religiosa vai se tornar mais difícil. As perseguições e sanções tornam-se pesadas. Mesmo a Inquisição estabelecida não sendo a temida Espanhola – que insuflada por diversos folhetos aterrorizantes, permeava o imaginário dos “heréticos”[10] −, essa tornou-se mais desapiedada do que aquela,[11] com vários ingredientes de maldade.

 

Confissão Belga

No final de 1550 o calvinismo, que havia penetrado tardiamente (c. 1544),[12] havia se fortalecido em boa parte dos Países Baixos, ainda que em número pequeno, porém, muito atuante. Em 1561 a Confissão Belga (1561) que se inspirou na Confissão Gaulesa (1559), foi escrita em francês 1561 por Guy de Brès (1523-1567),[13] com a ajuda de M. Modetus, Adrien de Saravia (1531-1613) – um dos primeiros protestantes a advogar a ideia de missões estrangeiras[14] e G. Wingen, sendo revisada por Francis Junius, o Velho (1545-1602) e, publicada a sua tradução em holandês em 1562,  permitindo uma maior unificação entre os nobres e a Igreja Reformada.[15]

Schalkwijk comenta:

O pastor Guy de Brès escreveu uma carta de defesa aos magistrados. Lançou-a juntamente com um exemplar de sua recente “Confession de Foy” por sobre o muro do castelo de Doornick, para assim ser levado ao governador e ao rei. Se este jamais leu a confissão de fé, não se sabe, mas ela chegou a ocupar um lugar de suma importância na Igreja Reformada holandesa.[16]

Ela juntamente com o Catecismo de Heidelberg (1563), foi aprovada no Sínodo de Antuérpia (1566), realizado secretamente;[17] no Sínodo de Ambères (após revisão) (1566)[18] e em Wesel (1568), sendo adotada pelo Sínodo Reformado de Emden (1571),[19] pelo Sínodo Nacional de Dort (1574), Middelburg (1581) e, também, pelo grande Sínodo de Dort (29/4/1619), o qual a sujeitou a uma minuciosa revisão, comparando a tradução holandesa com o texto francês e latino.  Ela foi traduzida para o holandês (1562) e para o inglês (1768).[20]

 

Guerra e independência dos Países Baixos

Nesse período havia intensa luta política entre os neerlandeses e seu soberano, o rei católico espanhol Filipe II. Em 1566, os nacionalistas (protestantes e católicos) se rebelaram contra os dominadores espanhóis. A nobreza católica queria se ver livre da Espanha e os calvinistas, da igreja romana.

Não tardaria a haver um levante popular que levaria a uma guerra que duraria 80 anos (1568-1648), tendo morrido de 600 a 700 mil pessoas entre militares e civis.[21] Entre mortes, perdas e ganhos, a Holanda declarou a sua independência  em relação à coroa Espanhola (26.07.1581), sendo constituída em sua maioria por protestantes enquanto a Bélgica e Luxemburgo permaneceram católicas. Contudo, a sua independência só seria reconhecida pela Paz de Vestfália, em 1648.[22]

 

A seriedade do jovem Armínio e seus equívocos

É nesse contexto que nos deparamos com um proeminente teólogo, Jacó Armínio (1560-1609), antigo aluno de Theodore de Beza (c. 1582-1585)[23] na Academia de Genebra[24] que, em 1588[25] começou a questionar a doutrina da predestinação conforme esposada por Calvino e por outras confissões Reformadas.

Por equívoco, falta de discernimento ou loteamento de cargos – de fato as questões políticas e políticas-eclesiásticas eram bastante complexas[26] –, o fato é que em 1603, ele se tornou professor de teologia na já então respeitada Universidade de Leiden,[27]  que sendo calvinista, tinha correntes internas  de influência  luterana, zwingliana e anabatista.[28]

Como havia uma certa suspeita quanto a aspectos da teologia de Armínio, antes de ser admitido – devido a sermões que pregara sobre Romanos 7 e 9, sustentando posições estranhas sobre a predestinação[29] – Francisco Gomarus (1563-1641) o entrevistou e declarou estar satisfeito. Armínio sabia usar de ambiguidades quando era de seu interesse e assumir compromissos apenas verbais.[30] Assim ele assumiu a cátedra.

Posteriormente, Armínio mais seguro de sua posição se tornou mais claro quando às suas posições teológicas (1605) , enfrentando, desde então,  forte oposição de seu colega Francisco Gomarus (1563-1641), que entendia que sua concepção era pelagiana.

O consciencioso historiador Cunningham (1805-1861), remonta as ideias arminianas a Clemente de Alexandria (c. 153-c.215 AD.) – um entusiasta da filosofia grega –,[31] passando por Pelágio[32] e Socino (1539-1604).[33]

Mas o fato é que Armínio não chegou a desenvolver tão plenamente as implicações de seus conceitos. No entanto, quando  morreu em 1609, 40 de seus seguidores subscreveram em 1610 na cidade de Gouda um documento, “Remonstrância”, no qual, em forma de cinco pontos, rejeitavam a teologia de Calvino expressa na  Confissão Belga (1561) e no Catecismo de Heidelberg (1563).[34] Aqui temos, portanto, “Os cinco artigos arminianos”.[35]

Destaco aqui para os nossos objetivos específicos, o primeiro artigo conforme endossado pelo respeitado teólogo da Igreja do Nazareno, Wiley (1877-1961):

Que Deus, desde toda a eternidade, determinou conceder a salvação àqueles que, como Ele previu, perseverariam até o fim em sua fé em Jesus Cristo, e infligir castigo eterno àqueles que permaneceriam em sua incredulidade e resistem, até o fim da vida, aos auxílios divinos.[36]

Desse modo, a eleição divina daqueles que serão salvos fundamenta-se sobre o fato da previsão divina de que eles haverão de crer, por sua própria deliberação. Nesse caso, Deus em seu decreto se ajustaria à escolha do homem.

 

A indefinição teológica e o enfraquecimento da igreja

A falta de pulso teológico – do poder político – esvaziava muitas igrejas cujos membros se recusavam, por exemplo, a ouvir pastores arminianos, opostos aos Credos adotados pela igreja.[37] A igreja se esfacelava. A força não seria o caminho para a unidade e a paz.

Tentou-se a conciliação teológica. De 10 de março a 20 de maio de 1611 reuniram-se em conferência seis representantes do pensamento arminiano – agora  liderados intelectualmente por Simon Episcopius (1583-1643), antigo aluno de Armínio –, e seis de convicções calvinistas que responderam aos cinco pontos afirmando a sua posição.[38]

Os debates que  já fortes, foram se intensificando, ganham grandes proporções, ameaçam até mesmo uma guerra civil.

 

O Sínodo de Dort

Deste modo, em 1618 foi convocado por autoridade dos Estados Gerais dos Países Baixos, em Dordrecht, Holanda,[39] o que se tornou conhecido como Sínodo de Dort, que reuniu-se no período de 13/11/1618 a 9/5/1619, tendo 154 sessões. O Sínodo foi constituído de 35 pastores, um grupo de presbíteros das igrejas holandesas, cinco catedráticos de teologia dos Países Baixos, dezoito deputados dos Estados Gerais e 27 estrangeiros, de diversos países da Europa, tais como: Inglaterra, Alemanha, França e Suíça (inclusive Genebra).

Os remonstrantes participaram do sínodo com 14 representantes por algum tempo, mas depois foram afastados. A partir dos relatórios das delegações que examinaram as proposições, os Cânones foram sistematizados por uma comissão de nove membros. Nesse relatório temos a afirmação das convicções reformadas em oposição às concepções arminianas.

 

Dort rejeita os cinco pontos do arminianismo

Dort rejeitou os cinco pontos apresentados pelos arminianos, sustentando que:

1) O homem decaído, em seu estado natural, não tem capacidade alguma para crer no evangelho, tal como lhe falta toda a capacidade para dar crédito à lei, a despeito de toda indução externa que sobre ele possa ser exercida.

2) A eleição de Deus é uma escolha gratuita, soberana e incondicional de pecadores, como pecadores, para que venham a ser redimidos por Cristo, para que venham a receber fé e para que sejam conduzidos à glória.

3) A obra remidora de Cristo teve como sua finalidade e alvo a salvação dos eleitos.

4) A Obra do Espírito Santo, ao conduzir os homens à fé, nunca deixa de atingir o seu objetivo.

5) Os crentes são guardados na fé na graça pelo poder inconquistável de Deus, até que eles cheguem à glória.

Esse Sínodo contituído de pessoas extremamente competentes, foi essencialmente marcado por um espírito de piedade e submissão às Escrituras.[40]            Todos os delegados subscrveram o documento, representando a vitória da Teologia Reformada conforme expressa em especial, na Confissão Belga e no Catecismo de Heidelberg.

O alcance da Teologia de Dort

Os Cânones de Dort foram aceitos por todas as Igrejas Reformadas como expressão correta do sistema calvinista.

As suas decisões foram endossadas pelas Igrejas Reformadas na França, no 23º Sínodo Nacional de Alais (01/10/1620)[41] e novamente no 24º Sínodo de Charenton (Setembro de 1623).[42] Os Cânones de Dort[43] mais tarde  seriam importantes na elaboração dos Símbolos de Westminster (1643-1649), na Formula Consensus Helvetica (1675),[44]  e das demais Confissões que seguiram a Teologia de Westminster como, por exemplo, a Confissão de Fé Batista de 1689.[45]

  

Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa

________________________________________

[1] Cf. W. Robert Godfrey, Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos: In: W.S. Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, [p. 111-145], p. 113.

[2]Por causa de exageros, os anabatistas terminaram por serem desacreditados entre católicos e protestantes. (Cf. Peter Y. De Jong, O surgimento das igrejas reformadas nos Países Baixos: In: Peter Y. De Jong. Org.,  Crise nas igrejas reformadas, São Paulo: Cultura Cristã, 2018, [p. 15-33], p. 22-23).

[3] Cf. Peter Y. De Jong, O surgimento das igrejas reformadas nos Países Baixos: In: Peter Y. De Jong. Org.,  Crise nas igrejas reformadas, p. 18-19.

[4]Esse assunto é bastante controverso. Veja-se: A. Duke, “A legend in the making: news of the ‘spanish inquisiton’ in the low countries in German evangelical pamphlets, 1546-1550”.    Nederlands archief voor kerkgeschiedenis/dutch review of church history. 77 (2): 125–144, p. 143 (https://www.jstor.org/page-scan-delivery/get-page-scan/24011467/18). (consultado em 12.09.21).

[5] Os Irmãos da Vida Comum iniciada por Geert Groote (1340-1384) em 1371, não isoladamente, indicava a necessidade de uma reforma na igreja (W. Robert Godfrey, Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos: In: W.S. Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 113-115; Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630-1654), Recife, Pe.: FUNDARTE, (Coleção Pernambucana, 2ª Fase, v. 25), 1986, p. 22-23).

[6] Cf. Joseph W. Lewis, Jr., Last and Near-Last words of the famous, infamous and those in-between, AuthorHouse, 2016. (E-Book) (Posição 8856 de 11789)

[7] Vejam-se detalhes de seu processo e condenação contados pelo historiador d’Aubigné (1794-1872), em: http://www.godrules.net/library/daubigne/77daubigne_g35.htm.

[8] Cf. Geoffrey Parker, The Dutch Revolt, Ithaca, New York: Cornell University Press, 1977, p. 41.

[9] Ele foi o primeiro soberano europeu a aceitar os editos de Trento. Ele o fez oficialmente em Madri no dia 12 de julho de 1564. (Cf. Henry A.F. Kamen, Filipe da Espanha, Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 159).

[10]A. Duke, “A legend in the making: news of the ‘spanish inquisiton’ in the low countries in German evangelical pamphlets, 1546-1550”. Nederlands archief voor kerkgeschiedenis/dutch review of church history. 77 (2): 125–144.

[11] Veja-se: Jorge P. Fisher, Historia de la Reforma,  Barcelona: CLIE., (1984), p. 272ss.

[12] Pierre Brully (c. 1518-1545), quem sucedeu a Calvino no pastorado dos refugiados franceses em Estrasburgo (Há uma placa no local com o nome dos dois), estimulado por Calvino, que se considerava também um “belga”,  posteriormente pregou nos Países Baixos, sendo preso e queimado vivo no dia 19/02/1545. (Cf. Émile G. Léonard, Histoire Générale du Protestantisme, Paris: Press Universitaires de France, 1961, v. 2, p. 70;  W. Robert Godfrey, Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos: In: W.S. Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 116).

[13] Guy de Brès devido às perseguições passou um tempo em Genebra, onde pode conhecer Beza, Viret e Calvino. (Cf. Émile G. Léonard, Histoire Générale du Protestantisme, v. 2, p. 71).

[14]Cf. I. Breward, Saravia: In: J.D. Douglas, ed. ger. The New International Dictionary of the Christian Church, 3. ed. Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1979, p. 878; W. Robert Godfrey, Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos: In: W.S. Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 137. Ele foi um dos três únicos tradutores da Bíblia King James, que não eram ingleses. A sua contribuição consistiu na tradução de Gênesis até o 2 livro de Reis. (Cf. http://kingjamesbibletranslators.org/bios/Hadrian_de_Saravia/) (Consultado em 07.09.21).

[15]Cf. Carter Lindberg, As Reformas na Europa, São Leopoldo, RS.: Sinodal, 2001, p. 362-363.

[16]Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630-1654), Recife, PE.: FUNDARTE, (Coleção Pernambucana, 2ª Fase, v. 25), 1986, p. 27. Arthur C. Cochrane, ed. Reformed Confessions of the Sixteenth Century, Louisville, Kentucky: Westminster John Knox Press, 2003, p. 186. Quanto à parte do teor da carta, Veja-se: Jorge P. Fisher, Historia de la Reforma,  Barcelona: CLIE., (1984), p. 291.

[17] Cf. Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630-1654), p. 27.

[18] Cf. J.P. Fisher, Historia de la Reforma, p. 291.

[19]Este primeiro Sínodo que se reuniu em Emden, “estabeleceu oficialmente os fundamentos para a ordem eclesiástica das igrejas reformadas holandesas” (W. Robert Godfrey, Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos: In: W.S. Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 119).

[20]Cf. M. Eugene Osterhaven, Belgic Confession: Donald K. McKim, ed. Encyclopedia of the Reformed Faith,  p. 31.

[21] Cf. “Victimario Histórico Militar” (https://remilitari.com/guias/victimario9.htm) (Consultado em 09.02.2024). Uma obra instigante sobre este período escrita em tom novelesco mas, muito bem documentada, falando sobre os temores, traições (entre espanhóis e entre holandeses), conspirações, abusos judiciais e punições, foi escrita por Henk Van Nierop (Veja-se: H. F. K. Van Nierop, Treason in the Northern Quarter: War, Terror, and the Rule of Law in the Dutch Revolt, Princeton: Princeton University Press, 2009, 297p.).

[22] O documento foi assinado em 24 de outubro de 1648.

[23] Em parte desse período, aproximadamente por um ano, estudou em Basiléia (1583-1584). (Cf. Robert E. Picirilli, Grace, Faith, Free Will. Contrasting View  of Salvation: Calvinism and Arminianism, Nashville, Tennessee: Randall House Publications,  2002, p. 4).

[24] Quando Armínio voltou para Holanda a fim de pastorear, Beza escreveu a seguinte carta de apresentação (03.06.1583) em resposta ao pastor Martin Lydius (c. 1540-1601) de Amsterdã, atestando a sua piedade e seriedade, demonstrando a sua grande expectativa quanto ao seu progresso:

“….Que lhes seja conhecido que a partir do momento em que Armínio voltou a nós de Basileia, a sua vida e aprendizagem nos têm sido aprovadas, então esperamos o melhor dele em todos os aspectos, se ele constantemente persistir no mesmo objetivo, que assim seja pela bênção de Deus, e não duvido que ele irá. Entre outros dons, Deus o dotou com um intelecto apto tanto a respeito da apreensão quanto da discriminação das coisas. Se este [intelecto] doravante for regulado pela piedade, que ele aparenta assiduamente cultivar, será inevitável que este poder de intelecto, quando consolidado por idade e experiência madura, produzirá os mais ricos frutos. Essa é a nossa opinião sobre Armínio – um jovem, sem dúvida, na medida em que somos capazes de julgar, mais digno de vossa bondade e liberalidade” (Apud Caspar Brandt, The Life of James Arminius, London: Ward & Co., 1854, p. 23-24. Veja-se também: Robert E. Picirilli, Grace, Faith, Free Will. Contrasting View  of Salvation: Calvinism and Arminianism, Nashville, Tennessee: Randall House Publications,  2002, p. 5).

Três meses depois, Johann Jakob Grynaeus (1540-1617) – sobrinho de Simon Grynaeus, amigo de Calvino a quem este lhe dedicara o comentário de Romanos (1539) – , professor de literatura sagrada e decano da Faculdade de Teologia, escreveu de próprio punho atestando a capacidade e seriedade de Armínio (03.09.1583):

“Aos piedosos leitores, saudações: Na medida em que um testemunho fiel de aprendizagem e de piedade não deve ser recusado a qualquer homem instruído e piedoso, então, nem a Jacó Armínio, um nativo de Amsterdã [sic] [na realidade ele nasceu em Oudewater, pequena cidade holandesa], por sua conduta, enquanto participante da Universidade de Basileia foi marcada pela piedade, moderação e assiduidade no estudo; e, frequentemente, no decurso de nossas discussões teológicas, ele tornou o seu dom de um espírito exigente tão evidente a todos nós, assim extraindo de nós bem-merecidas congratulações. Mais recentemente, também, em extraordinárias preleções entregues com o consentimento, e ordem, da Faculdade de Teologia, no qual ele expôs publicamente alguns capítulos da Epístola aos Romanos, nos dando uma grande base para esperar em breve o que ele estava destinado — se, de fato, ele continuar a reavivar o dom de Deus que está nele — para realizar e sustentar a função de ensinar, para que ele possa ser legalmente separado, com muitos frutos à Igreja. Eu o recomendo, portanto, a todos os homens de bem, e, em particular, à Igreja de Deus na famosa cidade de Amsterdã; e, respeitosamente, rogo que seja tido em conta este jovem instruído e piedoso, de modo que ele nunca esteja sob a necessidade de intermitentes estudos teológicos que têm sido, até agora, tão felizmente exercidos. Adeus!” (Apud Caspar Brandt, The Life of James Arminius, London: Ward & Co., 1854, p. 25).

[25] Armínio foi ordenado ministro em 27/08/1588.

[26] Veja-se: Peter Y. De Jong, O surgimento das igrejas reformadas nos Países Baixos: In: Peter Y. De Jong. Org., Crise nas igrejas reformadas, p. 26ss.

[27] Universidade fundada em 1575, que se tornaria o abrigo intelectual de muitos puritanos. (https://www.universiteitleiden.nl/onderwijs). (Consulta feita em 12.09.21)

[28] “A primeira expressão do protestantismo que conquistou um grande número de seguidores holandeses foi o anabatismo” (W. Robert Godfrey, Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos: In: W.S. Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 115). “O  anabatismo foi a forma dominante do protestantismo nos Países Baixos, nos anos 1530 e 1540, mas ulteriormente o Calvinismo suplantou o anabatismo como a expressão mais popular da Reforma nos Países Baixos” (p. 115).

[29] Para um exame detido da posição de Armínio, veja-se:  Jacó Armínio, As Obras de Armínio, Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2005, especialmente o v. 3.

[30] Veja-se: Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês, (1630-1654), Recife, PE.:  FUNDARTE, (Coleção Pernambucana, 2ª Fase, v. 25), 1986, p. 37.

[31] Clemente, Stromata, I.5: In: Alexander Roberts; James Donaldson, eds. Ante-Nicene Fathers, 2. ed. Peabody, Massachusetts: Hendrickson Publishers, 1995, v. 2, p. 305.

[32] Os Cânones de Dort,  São Paulo: Cultura Cristã, [s.d.], p. 59; Los Cánones de Dort, 2. ed., Países Bajos: FELIRE, 1982, p. 6-8.

[33] William Cunningham, Historical Theology, 3. ed. Edinburgh:  T. & T. Clark, 1870, v. 2, p. 374ss. Para um juízo mais ameno da posição de Armínio, veja-se:  W. Robert Godfrey, Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos: In: W.S. Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, p. 125.

[34] O Catecismo de Heidelberg foi escrito por dois jovens teólogos: Caspar Olevianus (1536- c. 1587) – quem recebeu influência de Melanchton (1497-1560) e de Peter Martyr Vermigli (1560-1562) –, professor de teologia na Universidade de Heidelberg e Zacharias Ursinus (1534-1583), que fora aluno de Melanchton, em Wittenberg (1550-1557), bem como amigo de Calvino (1509-1564). Acusado de Criptocalvinismo (Calvinista disfarçado) (Quanto à expressão, Ver: D.K. McKim, Criptocalvinismo: In: Walter A. Elwell, ed. Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, São Paulo: Vida Nova, 1988-1990, v. 1, p. 370-371), foi para Zurique (1560), onde dirigiu o Collegium Sapientiae (1561). Posteriormente, exerceu o professorado de teologia em Heidelberg (1562-1568). Schaff (1819-1893), diz que “Olevianus foi inferior à Ursinus na erudição, porém foi superior no púlpito e no governo da igreja” (Philip Schaff, The Creeds of Christendom, 6. ed. revised and  enlarged, Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1998 (Reprinted), v.  1, p. 534). McNeill diz a mesma coisa com outras palavras (John T. McNeill, The History and Character of Calvinism,  New York:  Oxford University Press, 1954, p. 270: “Ele (Olevianus) era dois anos mais jovem que Ursinus, mais eloquente e menos erudito”.

O Catecismo ficou pronto em janeiro de 1563, existindo um exemplar desta primeira edição na Biblioteca Nacional de Viena, datado de 19/01/1563. Neste mesmo ano, foram publicadas mais três edições, sendo a quarta considerada a mais completa e definitiva de todas. No prefácio da primeira edição, Frederico III, o “Piedoso” (1515-1576), estabeleceu três propósitos para este Catecismo, a saber: Instrução catequética; um guia para pregação e uma forma confessional de unidade. Frederico III, foi o primeiro príncipe alemão a adotar um Credo Reformado, como distinto do Luterano. Ele foi o primeiro príncipe alemão a abraçar fé Reformada. (Veja-se: Shirley C. Guthrie, Heidelberg Catechism: Donald K. McKim, ed. Encyclopedia of the Reformed Faith, Louisville, Kentucky: Westminster; John Knox Press, 1992, p. 167).

O Catecismo de Heidelberg foi adotado por um Sínodo de Heidelberg (19/01/1563), sendo aceito também na Escócia, servindo de modo especial para o ensino das crianças (até à época da adoção dos Catecismos de Westminster (28/07/1648). O Sínodo de Dort também o aprovou.

Este Catecismo tem como dois de seus pontos fortes o seu aspecto não polêmico – com exceção da pergunta 80 –, e o tom pastoral com o qual ele foi escrito, usando muitas vezes a primeira pessoa do singular, sendo as suas respostas uma declaração pessoal de fé, tendo as verdades teológicas uma aplicação bem direta às necessidades cotidianas do povo de Deus.

Ele foi traduzido para todas as línguas da Europa e muitas Asiáticas, sendo amplamente usado. Devido a esta amplitude de traduções, Schaff (1819-1893) diz que Heidelberg “tem o dom pentecostal de línguas em um raro grau” (P. Schaff, The Creeds of Christendom, v. 1, p. 536). Há aqui um dado importante; como sabemos, os Holandeses estiveram no Brasil no período de 1630 a 1654; ainda que não fosse o âmbito religioso o seu principal trabalho, não deixaram de atuar também nesta área. Em 1656 Antônio Paraupaba pede socorro aos Estados Gerais em favor da nação indígena do Brasil que havia abraçado a religião Reformada; a certa altura diz: “Ajudem agora! A luz da Palavra de Deus será apagada por falta de pastores” (Apud Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês: 1630-1654, p. 312). O trabalho dos holandeses na publicação de um Catecismo trilíngue (holandês, português e tupi), intitulado: “Uma instrução simples e breve da Palavra de Deus nas línguas brasiliana, holandesa e portuguesa, confeccionada e editada por ordem e em nome da Convenção Eclesial Presbiterial no Brasil, com formulários para batismo e santa ceia acrescentados” –, não deixa de ser extremamente interessante considerando as suas vicissitudes, já que o Presbitério de Amsterdã não o aprovara, não pelo que dissera, mas pelo que omitira, além de uma possível suspeita, certamente infundada, de algum viés arminiano. Na realidade o seu autor, o Rev. David à Doreslaer com a ajuda do Rev. Vincentius J. Soler confessou ter problemas em expressar determinados conceitos teológicos em línguas bárbaras. O que ele desejava era fazer um resumo do Catecismo de Heidelberg (1563) adotado pela Igreja Reformada Holandesa. Assim o Catecismo que tinha como alvo principal os índios evangelizados, foi impresso na Holanda em 1641 chegando em Recife em 1642. Ao que parece ele não teve grande utilidade devido aos debates provocados entre o Sínodo da Holanda e a Companhia das Índias Ocidentais. Schalkwijk, conclui: “Provavelmente, os catecismos ficaram empilhados em algum lugar, falados demais para serem usados, santos demais para serem queimados” (Frans Leonard Schalkwijk, Igreja e Estado no Brasil Holandês: 1630-1654, p. 324). O conceituado historiador católico, Hoornaert diz que “certas noções calvinistas ficaram profundamente arraigadas na mente dos índios nordestinos.”, no entanto não diz quais foram. (Eduardo Hoornaert, et. al. História  da  Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir do povo, São Paulo; Petrópolis, RJ.: Paulinas; Vozes, 1983, (História Geral da Igreja na América Latina, II/1). p. 140).

[35] Veja-se o documento em: Peter Y. De Jong, O surgimento das igrejas reformadas nos Países Baixos: In: Peter Y. De Jong, org., Crise nas igrejas reformadas, p. 197-199. Schaff apresenta o documento em forma trilíngue: holandês, latim e inglês (Philip Schaff, The Creeds of Christendom, v. 3. p. 545-549.

[36]H. Orton Wiley, Christian Theology, Kansas City: Beacon Hill, 1952, v. 2, p. 351). Apenas uma curiosidade: Grudem considera essa obra de Wiley, como “provavelmente a melhor teologia sistemática arminiana publicada no século XX” (Wayne A. Grudem, Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 1046).

[37] Cf. Peter Y. De Jong, O surgimento das igrejas reformadas nos Países Baixos: In: Peter Y. De Jong, org.,  Crise nas igrejas reformadas, p. 31.

[38] Veja o documento em: Peter Y. De Jong, O surgimento das igrejas reformadas nos Países Baixos: In: Peter Y. De Jong, org.,  Crise nas igrejas reformadas, p. 201-203.

[39] Desde 1579, na União de Ultrecht (União de Arras) ficou acordado que a resolução de problemas maiores da igreja deveriam ser resolvidos apenas em Sínodos Nacionais. Porém, somente o Parlamento por voto unânime poderia convocar o Sínodo. Na realidade, para a convocação, a despeito de protestos, foi o voto de quatro contra três votos (Cf. W. Robert Godfrey, Calvino e o Calvinismo nos Países Baixos: In: W.S. Reid, ed. Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental,  p. 127). Essa União de Ultrecht foi muito importante para manter a paz nos Países Baixos. (Cf. E. Ernest Stoeffler, The Rise of Evangelical Pietism, Leiden: E.J. Brill, 1965, p. 111-112).

[40] Vejam-se os testemunhos reunidos por Schaff. (Philip Schaff, The Creeds of Christendom, v. 1, p. 514-515. Schaff, também elenca posições diferentes que consideraram Dort como uma espécie de “Tribunal de Inquisição Calvinista”.

[41] Cf. Louis Moreri, Le Grand Dictionaire Historique, Ou Le Melange Curieux de L’Histoire Sacree Et Profane, 1733, v. 6, p. 523.

[42] Cf. Louis Moreri, Le Grand Dictionaire Historique, Ou Le Melange Curieux de L’Histoire Sacree Et Profane, 1733, v. 6, p. 523-524.

[43] Os Cânones de Dort,  São Paulo: Cultura Cristã, [s.d.], p. 12.

[44]Hodge (1823-1886), certamente com uma boa dose de exagero, a denomina de “a mais científica e completa de todas as confissões reformadas” (A.A. Hodge, Esboços de Theologia, Lisboa: Barata & Sanches, 1895, p. 113, Nova edição com linguagem atualizada: Esboços de Teologia, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2001, p. 168-169). Talvez seria melhor dizer que esta Declaração Teológica foi a maior expressão do Escolasticismo Protestante. (Vejam-se: A.C. McGiffert, Protestant Thought Before Kant, Gloucester Mass., Peter Smith Publisher, Inc., 1971 (Reprinted), p. 153; Jan Rohls, Reformed Confessions: theology from Zurich to Barmen, Louisville, Kentucky: Westminster John Knox Press, 1998, p. 27-28).

[45] Veja o texto em: http://www.monergismo.com/textos/credos/1689.htm Destaque para o capítulo 10. (Consultado em 11.02.2024).

Login